João Ubaldo dá a receita e mostra o que fazer com as inevitáveis sobras de peru.
Já faz muito tempo, foi num desses Natais, não me lembro qual, que recebi um email de João Ubaldo Ribeiro, o escritor. Todos os anos sigo suas instruções. João Ubaldo ensina a maneira baiana de preparar um escaldado com os restos de peru ou de chester.
João Ubaldo, vivendo no Rio de Janeiro há muitos anos, recomenda salsinha ou coentro, embora na Bahia seja mais usado o coentro, mas posso garantir que o coentro é fundamental. Não deixem de colocar coentro no escaldado. Dá outro sabor!
Aqui está a receita, pelo próprio João:
Queridos amigos,
Espero que tenham todos passado uma bela noite de véspera de Natal e que hoje a ressaca esteja sendo leve. Dito isto, passo a tratar de um assunto delicado, qual seja o que fazer das inevitáveis sobras do peru de ontem. E almoçar ou jantar em casa sem ter quase nenhum trabalho na cozinha. Em minhas conversas cariocas, tenho notado que a solução que proporei é desconhecida de grande parte das pessoas, de forma que a passo para quem não a conhece, pois vale a pena e evita desperdício e insensatez. Pode-se resumir minha sugestão no seguinte: façam um cozido de peru. Na Bahia, isto se chama “escaldado” de peru e é o destino inevitável de maior parte das carcassas dos infortunados glugluzáceos consumidos na noite anterior. Pense num cozido em que as carnes sejam as do peru, é só, é o básico. O prato permite infinitas variações. Leva uns tomates, umas cebolas (inclusive inteiras, ou cortadas pela metade), uma salsinha (ou coentro, para quem gosta), repolho, couve, cenoura, abóbora, enfim, tudo o que pode levar um cozido, até mesmo jiló e quiabo. Corta-se a carcaça mais ou menos ao feitio com que cortam o frango assado da padaria e, se se quiser, refogam-se (os chiques usam óleo de oliva, mas não é indispensável) cebola e tomate, antes de acrescentar água e os pedaços do peru. Há quem use, numa medida que considero acertada, uns pedacinhos de paio para alegrar e há até (não sou muito a favor), quem adicione um pedacinho de carne-seca, para sorteio. Enfim, pense-se num cozido livremente, só que com as carnes do peru. O caldo pode ser usado para um pirão, para os que apreciam tal acompanhamento. Não é preciso desossar nada, fazer mais nada além disso. O peru resiste bem ao re-cozimento e é fácil, futucando com um garfão, ver quando a coisa já chegou ao ponto. Trata-se de iguaria leve e alegre, que vai fazer alguns de vocês reavaliar a baixa conta em que têm, por exemplo, o peito do peru, por insosso e seco demais. Fica uma delícia. Quem gosta de cozido jamais deixará passar-se outro Natal sem que se faça um escaldado de peru. Ponham a inventividade a favor de idéia, que é fácil, quase não dá trabalho, quase nem suja nada na cozinha, a não ser uma faca e uma eventual colher de pau. Fraternal e gastronomicamente vosso,
João Ubaldo